quinta-feira, 17 de julho de 2008

Naufrágio

in "The Wet Side of the Moon"

Um bodião curioso veio observar-me, olhou-me atentamente de cima a baixo. Fiquei a observá-lo também, admirando o seu corpo listado e a graciosidade dos seus movimentos.

Ele cumprimentou-me e fez-me sinal para o seguir. Perguntei-lhe onde me levava e ele foi respondendo para eu ter calma. Ali debaixo de água a pressa e o stress não tinham lugar. Aconselhou-me a gozar a viagem, a observar a beleza que o Oceano tem para oferecer a quem se dá ao prazer de contemplar.

Concordei em absoluto, fui olhando para a paisagem e vislumbrei a beleza frágil de uma gorgónia, ondeando os braços na corrente, sem pressas vai recolhendo aquilo que a corrente lhe trás, vai crescendo à medida que as gerações se sucedem, ganhando cores e complexidades cada vez mais belas.

Continuamos a descer, sinto-me invadido por uma paz serena, mas há algo mais. À medida que o computador vai indicando uma profundidade maior, vai aumentando uma sensação de melancolia, penso que se trata do aumento da pressão e da diminuição da temperatura e da luz. Mas não é só isso.


De facto já tinha mergulhado mais fundo e nunca me tinha sentido assim, de repente vejo uma forma. Pergunto o que é ao bodião, este responde-me que não sabe ao certo, mas que é algo que veio do meu mundo.

Aproximo-me e confirmo que aquelas formas só podem ter sido produzidas pela mão do homem, parece uma ancora. Sim, talvez seja uma ancora, mas lá atrás vejo superfícies planas, demasiado planas.

Chegamos ao River Gurara, diz-me o bodião.

É isso estou num naufrágio.

De repente vejo uma sombra na balustrada, sinto um arrepio e presto uma singela homenagem aos que ali pereceram, por todo o lado sente-se angustia, bravura, terror, valentia, desespero e resignação. Um peso enorme faz-se sentir sobre os meus ombros.

Os fantasmas ainda lá estão, presos entre os corais e o metal, ainda se ouvem os seus gritos, ainda se sente a sua presença, ainda se vêem as suas sombras.

Não há nada de mais profundo que mergulhar num naufrágio, mais do que em outra qualquer catástrofe aqui os sentimentos ficam mais incrustados como se fossem fantasmas, testemunhos indeléveis da angustia e bravura, da morte e salvação.


Não naufraguem no Lado Escuro da Lua!

10 comentários:

  1. Que bela descrição fazes neste post! Chega a sentir-se a profundidade...

    Vai, também, ao encontro daquilo que escrevi no outro dia, não é? Pelos vistos, encontraste fantasmas e eu acredito nesses fantasmas!...

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  2. Lélé - É uma sensação única mergulhar num naufrágio. Nada no mundo me provoca tanto respeito, nem o maior cemitério, nem a visita a um campo de batalha do passado. Fundamentalmente por 2 razões: no cemitério os mortos não morreram ali e os campos de batalha normalmente já não apresentam nenhuns vestígios do que se passou.

    Num naufrágio sentimos a presença de todos os que lutaram, morreram ou salvaram-se ali. Não há palavras que descrevam o que se sente ali.

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  3. Hoje é dia do Amigo!

    E eu quero mtooo mtooo agradecer pelos amigos de verdade que eu venho cultivado!
    Quem dera eu poder dar, em cada um de vcs, um abraço bem apertado!
    Obrigada pelos amigos que me aturam todo dia com a minha voz chata!
    Obrigada pelas tardes e noites de estudo que precisavamos de nota!
    Obrigada pelas noites sem dormir para ficar de lerolero!
    Obrigada por me apoiarem do dez ao zero!
    Obrigada aos amigos mais distantes por momentos tão bons de encontro!
    Obrigada aos amigos que eu vejo só as vezes e é sempre tão bom!!!
    Obrigada por aqueles me levantaram!
    Obrigada pelos momentos em que na minha vida entraram!
    Obrigada por os momentos de carinho!
    Obrigada pelos puxões de orelha!
    Obrigada especial de coração mesmo!
    Beijos e
    UM ÓTIMO DIA DO AMIGO!!!

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  4. Mergulhar deve de ser um sentimento único, mas quando se depara com um naufrago
    Deve de ser um sentimento escuro, o pensar que cada um de nós tem o seu espaço, e não os devemos de misturar, os humanos em terra e os peixes no mar

    beijos

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  5. Que saudades já tinha destes teus mergulhos.
    Boa semana :)

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  6. O que é que andas a beber, Nitrox?
    Agora falas com os peixes?

    Estou a brincar! Obrigada pela viagem!
    Eu estou é com inveja de não ter lá estado também! ;)

    Beijos

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  7. Multiolhares - Só há um planeta e todos devíamos usufruí-lo em paz e harmonia. Infelizmente não é o que se passa sempre.

    A nossa, minha, tendência natural é estar no mar, foi de lá que viemos e para lá retornaremos.

    Os naufrágios são uma espécie de locais sagrados, em que penetramos com a mesma presença de espírito que teríamos em qualquer templo.

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  8. Keila - Obrigado pela dedicatória e apenas posso retribuir cada palavra que aqui deixaste.

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  9. Aparece sempre, vou sempre que possível deixando um post novo. As férias foram boas?

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  10. Morgana - Água salgada! Mentira isto do calor faz ingerir muita cervejinha!

    Isso de falar com os peixes é da narcose (a bebedeira das profundidades, causada pelo azoto comprimido).

    Para lá ir não é preciso muito, estás convidada para um baptismo de mergulho em Sesimbra, é só dizeres.

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Obrigado por mergulhar aqui