quinta-feira, 30 de agosto de 2012


Adeus tio Zé Miguel.

Já havia muito tempo que não nos viamos (demasiado tempo) mas a vida é como um bolo de passas, à medida que vai crescendo as passas vão se afastando umas das outras.

Lembro-me bem quando fostes trabalhar para a loja do meu pai. Devias ter por volta de 20 anos e eu era um miúdo de 8. Brincavamos sempre que não havia clientes. Lembro-me também com muita nostálgia de irmos montar armadilhas para os pássaros na quinta do Sargaçal, era a manhã e a tarde a andar para dar a volta ao pinhal. No meu imaginário ficará sempre o cheiro da caruma do pinheiro aquecida pelo sol de Verão. Ainda hoje quando sinto esse cheiro a recordação que tenho é de seguir atrás de ti mais o primo Manelinho pelo meio do pinhal.

O Manel... já lá vão uma dezena de anos que ele morreu. Será que voces andam a caçar pardalitos juntos agora?

Era tão feliz nessa altura. Não tinha preocupações, stress, a vida era uma alegria completa. Tenho tantas saudades desses tempos e ontem quando soube que já não estavas cá foi como uma luz (mais uma luz) que se apagou dessas memórias ficando agora mais sombrias e tristes.

Sei que não devemos viver no e do passado, mas o que somos hoje é em grande medida fruto desse passado, assim todos os acontecimentos que interajem com ele afectam-nos o presente inexorávelmente.

Adeus tio, até um dia...
Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.

terça-feira, 10 de julho de 2012

BLACK





Foto: <3


Adeus Black!

Conheci-te à porta da praça da Charneca, estavas com os teus irmãos para adopção, vieste ter comigo, lambeste-me a mão e olhaste-me com esses mesmos olhos. Não resisti e tive de te levar comigo.

Detestavas cães pretos, ladravas a ti próprio quando te vias ao espelho, eras um fingido, uma vez fingias estar coxo para logo a seguir saires a correr atrás de um gato. Quando fazias asneiras, ao passares junto a mim ganias mesmo sem te tocar. Detestavas molhar-te, mas sempre que vias gaivotas pousadas na água lá ias atrás delas.

Conquistaste todos os corações os que te conheceram, eras um malandro, daqueles que toda a gente gosta.

Durante 11 anos fostes um amigo, um companheiro, passamos juntos por muitas alegrias e tristezas, tiras-te-me do sério e arrancas-te-me gargalhadas.

Ontem foste-te embora, estou triste, mas sei que foi melhor assim, deves estar com o teu amigo Tom, com quem partilhavas a casota, provavelmente estarão por aí os Ringos, o Perry, o outro Black, a Cockie, o Joli e a Lassie. Todos eles foram meus amigos em diferentes periodos da minha vida, uns estiveram mais tempo comigo, outros menos e todos deixaram uma marca, uma recordação.

Adeus meu cãozinho, até sempre...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tempestade 2


As nuvens deslocam-se para lá do horizonte perseguidas pelo azul do céu. A poente, começam a surgir as primeiras pinceladas de laranja, as gaivotas pairam aproveitando as correntes sem aparente dificuldade seguindo o pequeno barco, oiço o som das vagas a serem cortadas pela proa.
A brisa vai trazendo o cheiro da maresia, acariciando o meu rosto e inundando-me os pulmões. Agora sinto-me em paz. O turbilhão da tempestade já passou, doem-me os músculos. Com renitência vou trocar a vela de estai1) pela genoa2) e tirar os rizes3) da vela grande4). O barco ganha velocidade, retomo o leme, mareio as velas5), traço uma rota mais favorável. A velocidade vai aumentando, o casco começa a planar6) e atinjo os 9 nós7), 10, 12. Tudo está em ordem, o pequeno veleiro resistiu incólume à tempestade.
Sinto-me em paz, feliz, um largo sorriso ilumina-me o rosto.
-Anda, podes subir, o temporal passou, podemos de novo estar aqui abraçados.
Ela subiu e dirige-se até mim com aquele movimento sensual e felino que me lembra a música dos U2 "She moves in mysterious ways". Abraçamo-nos e beijamo-nos apaixonadamente.
Estivemos afastados durante aquela tempestade que saiu do nada, de repente. Tinha-a pressentido, havia indícios dela aqui e ali, mas eterno otimista, segui o meu caminho. Era simplesmente impossível estar os 2 juntos no convés8) no meio daquelas vagas. Agora podíamos apreciar tranquilamente o pôr-do-sol ali, abraçados.
Lá ao longe começa a brilhar o farol, aos poucos vão se tornando visíveis as luzes das povoações, como uma poeira luminosa. Lentamente a poeira vai-se transformando em pontos bem definidos até ficarem individualizados.
Os pequenos faróis verde e vermelho que balizam a entrada do porto já são visíveis.
Aponto a meio dos dois, vermelho a bombordo9), verde a estibordo10) e preparo-me para recolher as velas.
Ligo o motor, o velho Volvo Penta tosse uma baforada de fumo e começa a cantar. Salto para a proa11) e peço-lhe para soltar a escota12) da genoa, solto a sua adriça13), rapidamente a grande vela começa a descer, oriento a queda para que não caia na água, depois é só prendê-la com os elásticos e regressar ao poço14) e repetir a manobra para a vela grande. Enquanto amarro a vela ela engata a marcha à vante15). Dirigimo-nos para o pontão onde encosto e amarro o barco. Abraço-a longamente olhando-a nos olhos, beijamo-nos embalados pelas pequenas vagas do porto.
-Vamos para casa, acendemos a lareira, jantamos e bebemos um bom vinho, depois… a noite é longa e temos muito para dar um ao outro – murmurei-lhe ao ouvido.
Entramos no carro, no rádio toca “Goodbye Moon” dos Shivaree…

1) Vela de estai – pequena vela de proa, usada quando o vento é mais forte.
2) Genoa – vela de estai de maiores dimensões.
3) Rizes – pequenos cabos usados para reduzir a dimensão da vela grande.
4) Vela grande – vela situada atrás do mastro de forma triangular e mantida entre o mastro e a retranca.
5) Marear – caçar ou folgar uma vela ajustando-a à direção do vento.
6) Planar – quando o barco deslizar na crista da onda.
7) Nós – unidade de medida de velocidade. Corresponde a uma Milha Náutica (1852 metros) por hora (MN/H) ou seja 1,852 Km/h.
8) Convés – é a parte da cobertura superior de uma embarcação.
9) Bombordo – lado esquerdo da embarcação, quando virados para a proa.
10) Estibordo – lado direito da embarcação, quando virados para a proa.
11) Proa – a parte da frente de uma embarcação.
12) Escota – cabo fixo à retranca ou ao punho da escota através da qual se controla a abertura da vela em relação ao vento.
13) Adriça – cabo para sutentar a vela e também usado para a içar.
14) Poço – local onde se encontra a tripulação e de onde se comanda a embarcação.
15) Vante – proa.


Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.