sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tempestade 2


As nuvens deslocam-se para lá do horizonte perseguidas pelo azul do céu. A poente, começam a surgir as primeiras pinceladas de laranja, as gaivotas pairam aproveitando as correntes sem aparente dificuldade seguindo o pequeno barco, oiço o som das vagas a serem cortadas pela proa.
A brisa vai trazendo o cheiro da maresia, acariciando o meu rosto e inundando-me os pulmões. Agora sinto-me em paz. O turbilhão da tempestade já passou, doem-me os músculos. Com renitência vou trocar a vela de estai1) pela genoa2) e tirar os rizes3) da vela grande4). O barco ganha velocidade, retomo o leme, mareio as velas5), traço uma rota mais favorável. A velocidade vai aumentando, o casco começa a planar6) e atinjo os 9 nós7), 10, 12. Tudo está em ordem, o pequeno veleiro resistiu incólume à tempestade.
Sinto-me em paz, feliz, um largo sorriso ilumina-me o rosto.
-Anda, podes subir, o temporal passou, podemos de novo estar aqui abraçados.
Ela subiu e dirige-se até mim com aquele movimento sensual e felino que me lembra a música dos U2 "She moves in mysterious ways". Abraçamo-nos e beijamo-nos apaixonadamente.
Estivemos afastados durante aquela tempestade que saiu do nada, de repente. Tinha-a pressentido, havia indícios dela aqui e ali, mas eterno otimista, segui o meu caminho. Era simplesmente impossível estar os 2 juntos no convés8) no meio daquelas vagas. Agora podíamos apreciar tranquilamente o pôr-do-sol ali, abraçados.
Lá ao longe começa a brilhar o farol, aos poucos vão se tornando visíveis as luzes das povoações, como uma poeira luminosa. Lentamente a poeira vai-se transformando em pontos bem definidos até ficarem individualizados.
Os pequenos faróis verde e vermelho que balizam a entrada do porto já são visíveis.
Aponto a meio dos dois, vermelho a bombordo9), verde a estibordo10) e preparo-me para recolher as velas.
Ligo o motor, o velho Volvo Penta tosse uma baforada de fumo e começa a cantar. Salto para a proa11) e peço-lhe para soltar a escota12) da genoa, solto a sua adriça13), rapidamente a grande vela começa a descer, oriento a queda para que não caia na água, depois é só prendê-la com os elásticos e regressar ao poço14) e repetir a manobra para a vela grande. Enquanto amarro a vela ela engata a marcha à vante15). Dirigimo-nos para o pontão onde encosto e amarro o barco. Abraço-a longamente olhando-a nos olhos, beijamo-nos embalados pelas pequenas vagas do porto.
-Vamos para casa, acendemos a lareira, jantamos e bebemos um bom vinho, depois… a noite é longa e temos muito para dar um ao outro – murmurei-lhe ao ouvido.
Entramos no carro, no rádio toca “Goodbye Moon” dos Shivaree…

1) Vela de estai – pequena vela de proa, usada quando o vento é mais forte.
2) Genoa – vela de estai de maiores dimensões.
3) Rizes – pequenos cabos usados para reduzir a dimensão da vela grande.
4) Vela grande – vela situada atrás do mastro de forma triangular e mantida entre o mastro e a retranca.
5) Marear – caçar ou folgar uma vela ajustando-a à direção do vento.
6) Planar – quando o barco deslizar na crista da onda.
7) Nós – unidade de medida de velocidade. Corresponde a uma Milha Náutica (1852 metros) por hora (MN/H) ou seja 1,852 Km/h.
8) Convés – é a parte da cobertura superior de uma embarcação.
9) Bombordo – lado esquerdo da embarcação, quando virados para a proa.
10) Estibordo – lado direito da embarcação, quando virados para a proa.
11) Proa – a parte da frente de uma embarcação.
12) Escota – cabo fixo à retranca ou ao punho da escota através da qual se controla a abertura da vela em relação ao vento.
13) Adriça – cabo para sutentar a vela e também usado para a içar.
14) Poço – local onde se encontra a tripulação e de onde se comanda a embarcação.
15) Vante – proa.


Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.