domingo, 31 de agosto de 2008

Pedra da Lagoa

in The Wet Side of the Moon
música: The Great Gig in the Sky - Pink Floyd - The Dark Side of the Moon


Depois de 3 meses o Mar voltou a acolher-me nos seus braços!

Cada vez que volto a mergulhar após um tão grande período de ausência é como se
renascesse. Sou invadido por uma sensação quase orgástica que dura desde o momento em que começo a preparar a mala até assinar o logbook.

Ontem o mar estava calmo, parecia azeite, ao mergulhar sou recebido por um cardume de carapaus que brilhavam como se fossem pedaços de lua e me envolveram num festival de luz, como que a dar-me as boas vindas.

Continuei a descer e deparo com uma floresta de gorgónias de várias cores, com os seus leques abertos contra a corrente. Pequenos peixes passeavam entre elas, aqui e ali um ouriço do mar, uma anémona e um ou outro pepino do mar.

Só aqui me lembro que mergulhei com menos 4 Kg de lastro que o habitual, no entanto a descida foi fácil, muito fácil, as sereias e as musas conduziram-me para baixo sem qualquer esforço.

Parece que quanto mais Amamos o Mar mais ele nos Ama também.

Um cardume imenso de jovens fanecas tira-me dos meus pensamentos, sigo-as, deixo-me envolver por elas, sinto-me como se fosse uma delas e prossigo o mergulho.

Sinto-me recuar milhões de anos, as lembranças do nosso passado marinho devem ter ficado indelevelmente gravadas no meu ADN, pois recordo-me que nasci aqui, vivi aqui e morri aqui. Primeiro era uma simples célula, depois renasci como uma alga, voltei a morrer e a nascer diversas vezes.

Fui uma esponja, um peixe, um tubarão, depois aconteceu uma calamidade e renasci terráqueo, fui muitos animais, mas voltei ao mar, fui uma baleia, fui um golfinho, voltei a nascer em terra como um homem.

Foi então que tomei consciência, que pude Amar o Mar. Então voltei a ele, desta vez precisei de fato, de garrafas, de barbatanas artificias e colete, mas só agora me deslumbro, só agora me sinto fundir nesse Universo liquido, só agora compreendi a verdadeira essência, o verdadeiro AMOR. Só agora consigo admirar em toda a sua plenitude a beleza dos Oceanos.


Um enorme safio vem cumprimentar-me, olhamos-nos longamente nos olhos um do outro. Ele disse-me:

-Um dia serei um homem como tu.
E eu respondi:
-E eu já fui um safio como tu.

O computador apita, atingi o fim do RBT, tenho de voltar à superfície.

Largo a bóia de patamar e subo aos 5 metros, prendo o mosquetão do carreto da bóia de patamar num arnês do colete e consigo um equilíbrio perfeito e fico ali a pairar durante os 3 minutos da praxe, sem um movimento, apenas um ocasional bater de barbatana para manter a posição naquela doce imponderabilidade. Sinto-me feliz imensamente feliz. Subo para bordo e até agora ainda não parei de sorrir.


Fiquem Bem, no Lado Escuro da Lua!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Leituras de Verão


Tenho andado sem inspiração e também com alguma falta de tempo. Desde que regressei tenho tido várias coisas para organizar e embrenhei-me na leitura de um livro verdadeiramente fantástico, ao ponto de reler cada frase e para frequentemente para assimilar toda a informação e apreciar o raciocínio daquele que é seguramente o meu maior ídolo.

Esse mesmo Jacques Cousteau!

Antes desse livro já tinha lido de Ian Flemming (um autor que gosto muito) Dr. No - foi a primeira aventura de 007 a ser passada para filme, antes tinha lido de Sebastian Faulks - A Essência do Mal - um livro comemorativo do centenário do nascimento de Ian Flemming, Mergulho e Fauna Subaquática das Ilhas Berlengas de Fernando Morgado, Juliana Gadelha, Marta Pimpão e Amadeu Soares, várias revistas entre as quais Planeta d'Água, Imersões, Portugal Dive, Exame Informática, etc e estive a ler a título de consulta o Manual de Tiro con Arco de Kathleen M. Haywood e Catherine F. Lewis (versão espanhola) e A Biblia da Meditação de Madona Gauding. Como podem ver tenho andado algo ocupado, destes livros falarei mais tarde, por agora vamos ao melhor de todos:

O Homem, a Orquídea e o Polvo, de Jacques Cousteau e Susan Schiefelbein, foi dos melhores livros que já li e posso recomendá-lo como um título obrigatório. Escrito nos seus últimos dez anos de vida em colaboração com Susan Schiefelbein, para mim uma ilustre desconhecida, mas que rapidamente me cativou pela forma entusiasmada como escreve, devendo-se a ela uma introdução e uma actualização sobre o que se passou na última década, após a morte da maior lenda do século XX.

Já conhecia de há muitos anos a obra de Jacques Cousteau, aliás metade da minha prateleira "nobre" está ocupada por livros dele, sem falar que possuo mais de 10 DVD's. No entanto fiquei surpreendido com o que li; Cousteau foi dos primeiros humanos a se manifestar em relação ao ambiente, mas naquele livro explica de uma forma tão clara como inédita a forma como ele assiste à destruição do planeta e lança um grito de alerta a todos os cidadãos no sentido de ser absolutamente necessário ganhar uma consciência ecológica e, sobretudo, obrigar os governantes a respeitá-la.

É um livro absolutamente fantástico, com um encadeamento de capítulos que à primeira vista podem não ter uma relação directa uns com os outros, mas que à medida que vamos lendo começamos a perceber a lógica por trás deles.

Cousteau começa por nos falar das motivações dos exploradores, do Amor pela descoberta, dos riscos inerentes. Depois detêm-se num capítulo acerca desses mesmos riscos na sua perspectiva de explorador. Seguidamente introduz-nos inteligentemente na sua analise sobre a forma como governos, industrias e militares fazem a humanidade e o planeta correr riscos ao mesmo tempo que procuram que nós nos mantenhamos alheados desses mesmos riscos.

Passa então a explicar a fragilidade do nosso planeta, vai buscar as escrituras sagradas das diversas religiões para mostrar que lá também podemos encontrar mensagens ecológicas. Retornando à temática da destruição do planeta com aquilo que ele apelida de saque e com a inconsciência provocada pela ganância dos lucros.

Volta à temática da exploração, demonstrando a sua compreensão pelos cientistas, comparando-os aos exploradores e a ele próprio e traçando uma linha separadora entre a ciência pura e a ciência aplicada. Após o que volta a sua atenção para o problema nuclear, arrasando de uma forma brilhante toda a argumentação a favor desta opção. Este é o maior capítulo do livro e só por si vale bem a leitura do mesmo, agora que voltamos a falar de centrais nucleares em Portugal e que os acidentes com as mesmas em Espanha e França se multiplicam.

Cousteau deixa-nos ainda a sua visão "optimista" para o futuro do planeta, em que após um cataclismo nuclear a humanidade sobrevive e consegue corrige a destruição que lhe causou, na forma de um sonho enquanto está na ponte do Calipso durante uma viagem nocturna.

Por fim traça-nos a sua perspectiva sobre a evolução e complexidade da vida, em que os mais complexos organismos entre os vertebrados, as plantas e os invertebrados dão o nome ao livro. A luta pela sobrevivência dos indivíduos e das espécies e como a morte é a geradora da vida.

Leiam no Lado Escuro da Lua!

domingo, 3 de agosto de 2008

Está tudo bem

in The Wet Side of the Moon
música: It's Alright - Café del Mar


Esteve um dia lindíssimo, as gaivotas piavam enquanto deslizavam suavemente na brisa do fim da tarde. Tinha estado na Cordoama, onde as ondas violentas convidavam a umas surfadas. O contraste após percorrer uma dúzia de quilómetros era evidente, aqui em Lagos o mar está liso como uma mesa de bilhar. O Barlavento do Algarve é assim, num lado uma calmaria do outro, um mar furioso. Vou inspirando o cheiro da maresia, fecho os olhos e viajo no tempo, até a um fundo submarino coberto de algas púrpura, onde pairo sem sentir qualquer peso, qualquer força externa.

Um pequeno peixe observa-me atentamente, interrogando-me sobre a minha presença. Tranquilamente respondo-lhe que estou onde sempre quis estar, que por um erro fortuito a natureza fez-me nascer humano, embora na realidade apenas me sinta bem debaixo de água.

Ficamos bastante tempo a olhar-nos um ao outro, invejei-o, ele pode levar toda a sua vida debaixo de água, respira-a, não precisa de coletes, nem de lastro, nem de fatos, nem de aparelhos respiratórios. Ele invejou-me, podia sair daquele mundo e entrar noutro, podia ver os pôr-do-sol, respirar na atmosfera, contemplar o voo dos pássaros, não tinha de me preocupar com os predadores e podia sempre voltar cá para baixo, para o reino do silêncio.

Continuei o meu passeio, maravilhando-me com a delicadeza de um caboz, ao mesmo tempo que pensava que se calhar o pequeno sargo tinha razão o caboz confirmou, disse-me que ali todos me invejavam, até a estrela-do-mar que podia bem passar umas horas fora de água, mas não tinha olhos para ver. Acabei por lhes dar razão, afinal a expressão popular “esperto que nem um sargo” devia ter algum fundamento.

Pela primeira vez senti-me bem por ser um humano, por poder contemplar ambos os mundos, por poder ter consciência da beleza do mundo e admirá-la, afinal a natureza tinha razão, a natureza tem sempre razão, nós os Homens é que temos a mania que a havemos de corrigir. Senti uma raiva profunda, sou da mesma espécie que está a delapidar o planeta, mas lembrei-me de Jacques Cousteau, de Al Gore e dos muitos milhares de anónimos que, como eu, apoiam ou apoiaram instituições como o Greenpeace ou a Quercus e que diariamente lutam por um planeta melhor, lembrei-me da cada vez mais emergente cultura ecológica, lembrei-me da minha filha.

Talvez haja uma esperança para a humanidade, talvez não seja tarde demais para salvar o planeta.

Um pequeno ruivo passeou pela minha frente, decidi ficar ali a observar como ele caminha pelo fundo com as suas patitas, levantando sedimentos em busca de alimento. A vida para ele pode ser simples e graciosa, mas afinal de contas ele não tem capacidade para se poder deleitar dela.

Enchi os pulmões com o ar salgado do fim da tarde, regressando da minha viagem no tempo e no espaço, contemplo o voo gracioso das gaivotas enquanto o vento sopra nos meus ouvidos. It’s Allright! A suave melodia do Café del Mar preenche o resto do quadro, a felicidade é algo de momentâneo, é um estado de espírito que se pode atingir mesmo no meio da adversidade, só precisamos de seguir o que nos disse o Dalai Lama “Apenas há 2 dias no ano em que nada se pode fazer, um chama-se ontem e o outro amanhã...”.


Fiquem Bem, no Lado Escuro da Lua!