sexta-feira, 9 de maio de 2008

Diário de um Caboz Laranja com a Cabeça Preta

Hoje resolvi afastar-me das rochas e aventurar-me pelos fundos de areia. É estranho como é que outros peixes se aventuram a viver aqui, sem esconderijos, sem um lugar onde nos refugiarmos caso nos achem com bom aspecto para refeição.

Mas afinal é sempre possível encontrar onde nos escondermos. Vi um caranguejo usar uma cenoura do mar como abrigo, quase não o via se ele não me tem chamado, acho que não o teria visto.

Mal me afastei logo dou de caras com um choco que teve a amabilidade de se mostrar mudando a cor. Pregou-me cá um susto, ali estava eu a nadar sobre a areia e de repente esta muda de cor e vejo surgir uns tentáculos ameaçadores! Felizmente ele estava apenas a brincar divertido por ver um caboz laranja de cabeça preta a andar por ali. Perguntou-me o que fazia tão longe de casa e eu disse-lhe que queria conhecer outros mundos.

Ele levou-me então numa fantástica visita a sítios que eu pensava não puderem existir e foi-me explicando tudo o sobre cada um deles.

Em primeiro lugar visitamos um Xarroco que vivia entocado numa pedra coberta de limos. Bolas ele é mesmo estranho com aquela boca tão grande. O choco riu-se - Então e eu que tenho os pés na cabeça? -Mas tu não tens uma boca ameaçadoramente grande -retorqui-lhe envergonhado.
- Achas-me ameaçador? Então é porque nunca vistes aqueles bichos com 2 caudas e que andam normalmente lá na superfície. - Ralhou-me o Xarroco.
- Quais? Aqueles que soltam bolhas de ar?
- Esses até nem são maus de todo, apenas um pouco desastrados e mais feios do que eu, esses vêm cá abaixo porque gostam de aqui estar. Sabes que sinto pena deles, pois tenho a certeza que eles queriam ser peixes como nós.


- Deves estar a brincar - interveio o choco - ainda no outro dia o meu primo foi arpoado por um deles.
- Não! Esses são outros, não fazem bolhas e têm um tentáculo comprido ou algo assim, esses vêm cá para nos comer, os das bolhinhas são nossos amigos, só chateiam é quando vêm com umas coisas que dão um relâmpago, que não faço a mínima ideia para que servem.
Contei-lhes que já tinha visto desses, das bolhinhas, e que até os tinha achado simpáticos, tirando lá aquela coisa do relâmpago. Perguntei-lhes de onde eles vinham e disseram-me que vinham lá de cima de onde vem a luz.

Achei que devia ser maravilhoso viver lá na claridade absoluta, entretanto o caranguejo, que se tinha aproximado para ouvir a conversa disse-me que me levava para me mostrar, pois ele vai lá muitas vezes.

No caminho fomos conversando.
- Nem sabes como te invejo - disse-lhe.
- Olha que nem tudo é bom, para começar esses bichos de quem vocês falam, sujam tudo acham-se os reis e senhores e têm destruido tudo, apesar de alguns deles tentarem defender o mundo, a maior parte só se sente bem a destruir. Olha são bem piores que os Tubarões, esses só matam para comer. Os Homens, que é o nome desses bichos, destroem para ganhar uns papeis e uns discos de metal que guardam como uma relíquia, chamam dinheiro e até parece que é daquilo que se alimentam.

Quando voltei vinha muito triste, vi chaminés a libertarem fumo preto, árvores a serem arrancadas, percebi finalmente de onde vinha aquela porcaria toda que nos tem invadido. O mundo da superfície é muito belo, o caranguejo não me deixou regressar sem ver o pôr-do-sol que é um espectáculo deslumbrante, mas os Homens têm estado a destrui-lo erigindo estranhas formações de coral ligadas por tapetes de pedras que eles atravessam numa correria desenfreada, umas vezes a pé outras dentro de umas caixas metálicas com umas rodas pretas e que para além de fazerem uma grande barulheira também deitam um fumo malcheiroso, para ganharem aqueles papeis e discos de metal, não parando para ver o que ainda de belo lhes resta.

Talvez seja esse o problema deles, como não têm tempo para ver o que é belo, não se importam de o destruir. Porque será que se portam assim? Pensei que fosse da gravidade, que é uma coisa que não sentimos cá debaixo de água e que os cola ao chão, mas o caranguejo disse-me que em terra havia outros animais e que nenhum era como o Homem. Acho que a culpa é mesmo daqueles papeis e discos de metal, não percebo porquê que eles são capazes até de se matarem uns aos outros por causa daquilo.

Fiquem Bem, no Lado Escuro da Lua!

6 comentários:

  1. Espectacular! Adorei este passeio, o poder de observação do Caboz, os amigos que foi encontrando pelo caminho, os diálogos que manteve...

    As fotos estão lindas (aquele Xarroco, acho que foi o potagonista do meu sonho do outro dia...)

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  2. Sem dúvida há algo de paraíso no fundo das águas, sempre me espantou como essa paz contrasta com o mar revolto à superfície - e com as nossa vidas.

    Abraço!
    P. S. Estou a ver que a saúde está a ir ao caminho.

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  3. Lélé - Tenho de te agradecer, pois foi uma inspiração que me deste que levou a esta história do caboz.

    Olha que é invulgar sonhar com um xarroco, ainda tentei ver se conseguia encontrar alguma explicação, mas nada. Se calhar fostes a primeira pessoa a ter esse sonho.

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  4. Klatuu - Nós seres agrilhoados pela gravidade e pelo correpio das nossas vidas, quando lá estamos experimentamos uma profunda paz. Talvez o regresso ao utero materno também seja um factor que nos influencia.

    Também há o mistério, o desconhecido, o facto de estarmos a aventurar-nos noutro mundo, a maior parte das pessoas não sabe mas o fundo do mar é menos conhecido pelo homem do que o espaço.

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  5. Nem me apetece escrever nada para não estragar a magia deste mergulho.
    Grata pela partilha, vir aqui é das melhores terapias que conheço.
    Beijos

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  6. Micas - Se todo o mundo deixasse de lado a cegueira do dinheiro e olhasse para a beleza que existe neste planeta, por certo que muita coisa mudaria para melhor nesta bolinha azul.

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Obrigado por mergulhar aqui